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Especialistas reuniram-se no Técnico para discutir o plano nacional para o eólico offshore.

No dia 11 de outubro de 2023 reuniu-se a convite da Iniciativa Energia do IST um painel de especialistas para discutir o plano Português para o eólico offshore. O plano Português é um dos mais ambiciosos planos da Europa para o eólico offshore. Nas próximas décadas, planeia-se atribuir 10GW de capacidade eólica offshore através de leilões sequenciais — uma capacidade a que corresponde, para os fatores de utilização anunciados, cerca de 75% do atual consumo elétrico do país.

O painel foi moderado pelo Doutor Pedro Carvalho, Professor Catedrático do IST, e constituído pelos Doutores:

  • Ana Estanqueiro, Investigadora e Coordenadora da área de Integração de Sistemas Renováveis de Energia no LNEG e Prof. Associada Convidada da FCUL.
  • António Sarmento, Prof. Associado Aposentado do IST e fundador do WavEC Offshore Renewables.
  • Carlos Calder, Prof. Auxiliar Convidado do IST e Assessor do Secretário de Estado da Energia de 2018-19.
  • João Santana, Prof. Catedrático Aposentado do IST e antigo membro do Conselho de Administração da ERSE.
  • Jorge Esteves, Diretor da Direção de Infraestruturas e Redes na ERSE.
  • Jorge Sousa, Prof. Coordenador do ISEL e Presidente da Associação Portuguesa de Economia da Energia.
  • Marcelino Ferreira, Prof. Catedrático Aposentado do IST e Coordenador do grupo de Sistemas Sustentáveis de Energia no INESC-ID.
  • Rui Castro, Prof. Catedrático do IST responsável pela disciplina de Energias Renováveis e Produção Descentralizada.

Durante duas horas, o painel discutiu o plano para o eólico offshore, endereçando um conjunto de questões de natureza técnico-científica relacionadas com: (1) a disponibilidade do recurso no país; (2) as condições em que o aproveitamento poderia ser competitivo; e (3) a oportunidade para o seu desenvolvimento.

  1. A discussão sobre a disponibilidade do recurso offshore no país foi animada pela contradição entre duas posições diferentes relativamente ao potencial energético do eólico offshore em Portugal e à comparação com o potencial dos países do mar Báltico e mar do Norte. Embora não tenha havido consenso sobre a comparação entre fatores de utilização, houve consenso sobre o facto do recurso eólico não ser tão elevado em Portugal como nesses países.

    Foram também discutidos desafios decorrentes do facto das condições do mar e dos fundos não serem comparáveis com as do mar Báltico e mar do Norte, em particular o facto de, em Portugal, o offshore ter de recorrer a plataformas flutuantes para apoio das turbinas. Valorizou-se a experiência piloto no domínio do eólico flutuante levada a cabo em Viana do Castelo como relevante para fazer face a alguns dos muitos desafios do plano. Foi enfatizado o facto de o plano representar uma mudança radical no nível de ambição, relativamente à experiência de Viana do Castelo (10 GW representa 400 vezes a capacidade do piloto).


  2. A discussão sobre a competitividade do offshore foi mais consensual. O facto dos custos nivelados do eólico offshore virem a ser inevitavelmente muito elevados na atual conjuntura, quando comparados com os custos do solar fotovoltaico, não teve contraditório. Foi referido que antes da pandemia, empresas credíveis propuseram ao governo Português a construção de parques eólicos sem requererem qualquer apoio financeiro, quer para a fase de construção, quer para a de exploração, prevendo-se que esta situação possa voltar a verificar-se num futuro mais ou menos próximo. A discussão centrou-se depois sobre o realismo dos cenários de evolução da procura de energia renovável que suportam a enorme necessidade de investimento traduzida no plano, e sobre o efeito combinado dos recursos eólico e solar que sendo pouco correlacionados, permitiriam reduzir a variabilidade conjunta da produção renovável e, com isso, os custos de produção de hidrogénio verde.

    Os cenários de evolução da procura de energia renovável foram considerados por alguns como pouco realistas, porque baseados nos preços dos leilões do solar —muito reduzidos —, coisa que se considerou não poder vir a manter-se depois da oferta ser expandida com investimento em eólico offshore, cujos custos nivelados viriam a ser forçosamente muito mais elevados (consenso inicial). Outra garantia considerada crítica foi a capacidade de interligação com Espanha. Os riscos associados a essa capacidade foram considerados significativos já que se prevê que Espanha venha a ter um mix energético semelhante ao Português e, de acordo com a sua legislação (art. 11, Ley 24/2013, de 2/12) o operador da rede Espanhola pode recusar unilateralmente receber ou fornecer energia a Portugal, interrompendo as interligações, sempre que tal implique um risco para Espanha. Sobre as interligações, foi ainda referido como muito importante assegurar que a restrição de capacidade dos Pireneus, na interligação entre a Península Ibérica e França, pode ser ultrapassada, situação que os participantes também não preveem que venha a ser fácil de ocorrer. Em complemento e como alternativa às restrições das interligações internacionais, foi relevada a necessidade de reforçar as soluções de flexibilidade, nomeadamente a capacidade de armazenamento, de forma garantir níveis aceitáveis de segurança de abastecimento.

    Sobre a capacidade do eólico offshore reduzir os custos de produção de hidrogénio verde, a ponto do mix renovável Português poder competir com o dos países do mar Báltico e mar do Norte, também não houve consenso. Foi, no entanto, bem aceite a ideia de que, face às elevadas metas estabelecidas na UE para produção de hidrogénio verde (10MT até 2030), seria mais importante garantir margem positiva para a produção nacional do que conseguir competir com hidrogénio de outras proveniências, já que a elevada procura garantiria o escoamento da totalidade da nossa oferta. Foi também bem-recebida a ideia de que algum offshore poderia contribuir para melhorar essa margem, mas que a capacidade do plano Português ia muito além dessa quantidade, e não poderia ser justificada por esta via.

    Relativamente à escala do plano para o offshore, foi manifestada preocupação relativamente ao facto de grande parte do solar que resultou dos leilões do fotovoltaico e de outros compromissos recentemente assumidos pelo país (cerca de 20 GW) ainda não ter sido ligado à rede, e à possível viragem no paradigma adotado nas políticas públicas para as renováveis, que nos últimos anos assentou na viabilização da produção a partir de fontes endógenas, sem recorrer a subsidiação. A este propósito, foi mencionada a importância de que se reveste o desenho dos futuros leilões para o offshore.


  3. A discussão sobre a oportunidade foi a última questão discutida e iniciou-se com diferentes ideias sobre a possibilidade de articular a política energética com a política industrial, desenvolvendo a economia azul (e.g., aquacultura) e criando condições para incorporar conhecimento nacional nas futuras tecnologias offshore. Foi relevado o facto de a tecnologia offshore flutuante estar a evoluir rapidamente e de Portugal ter tido, no passado recente, protagonismo nessa evolução. O debate foi animado pela discussão em torno da limitada capacidade industrial do país e da ameaça que representa a China como gigante industrial.

    Outras oportunidades criadas pela descarbonização da economia nacional foram também discutidas. Dessas, destacou-se a alavancagem de investimento externo no sector do hidrogénio verde, pondo uma tónica de precaução sobre os riscos que representa o aumento do preço da energia num setor em este é o principal elemento competitivo diferenciador. Foi destacado o atual posicionamento de Portugal na criação do futuro mercado de hidrogénio verde — conseguido depois do sucesso dos leilões do fotovoltaico de 2019-21 — e reforçada a preocupação em manter esse posicionamento no futuro.

    Não houve tempo para discutir adequadamente as exigências infraestruturais que o plano impõe e de que o plano depende criticamente. Apontaram-se exigências muito significativas que a instalação dos parques flutuantes e sua manutenção impõem aos portos nacionais e à capacidade naval — atualmente muito reduzida —, mas não se discutiram as enormes exigências que a ligação desses parques à rede elétrica impõem, nem os custos que a expansão da rede para esse efeito imporá ao consumidor de energia elétrica no futuro.

Lisboa, 23 outubro 2023

O Relator,


Pedro Carvalho

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